"Um dia andando pela rua, do lado direito
da avenida 7 de setembro, aqui mesmo, em Não se sabe Onde, lá pelas 10 da
manhã, enxerguei uma garota com cabelos estilhaçados e amarrados com um rabo de
cavalo, ainda não sei porque essa fixação com detalhes em cabelos; não dei
muita importância a roupa em que vestia mas me parecia bem a vontade e natural,
como se tivesse acabado de sair de casa para ir à esquina comprar o fermento
que faltou no bolo. Seu andar me chamou atenção, não era sexy ou coisa do
tipo... Era muito mais interessante, ao menos para mim. Ela andava criando passos
a cada rachadura na calçada e eu pensava que só eu fazia isso (não espero que
entenda, caro leitor, coisa de doido). Fui atrás dela e vi que ela tinha ido à
uma casa não muito longe do lugar de onde estávamos. A casa era semi destelhada
e num estilo bastante intrigante... Parecia casa de fada, não que eu acredite
nelas, nem que isso seja boa coisa, não creio.
Voltei
pra casa mas não conseguia parar de pensar naquela garota, o que passa na
cabeça dela? Será que somos dois doidos? Ela menos que eu? Será? No outro dia
voltei à mesma rua, no mesmo lado direito, na mesma avenida 7 de setembro, ali,
em Não se sabe Onde, no mesmo horário, me sentei em um bar e esperei aquela
garota passar novamente. Coisa de doido o que eu faço eu sei, e como sei,
também não me sinto a vontade com isso. Ela passou, novamente da mesma forma:
cabelos estilhaçados e presos, seus cabelos escuros contrastavam muito bem com
sua pele clara, era realmente algo agradável de se admirar; contudo, o mais importante,
ela fitava novamente linhas no chão, nas rachaduras que encontrava criava
caminhos por terras em centímetros. Novamente a acompanhei até a casa de fada,
neste dia uma mulher tinha aberto a porta para ela e a tinha abraçado. Voltei
pra casa desolado, a vontade de conversar com ela era imensa. Como disse,
voltei pra casa mas meus olhos continuaram lá na casa de fada e na menina
fitadora de rachaduras. Escrevi, acordei as madrugadas, usei todos os tipos de
arte pra tentar expressar o que aquela garota e a sensação de não estar sozinho
me davam.
Fui
outro dia e mais uma vez a assisti passar, fui mais três dias e assisti mais
três vezes ela passar, cada dia com um esquema de rachaduras fitadas
diferenciado, ela era intrigante. No quarto dia ela não passou, nem no quinto,
nem no sexto, muito menos no sétimo; foram-se dez dias sem vê-la, não conseguia
mais dormir de tanta insistência do meu subconsciente, me levantei às 10 da
manhã e fui à casa de fada, destinado, com todas as forças, encorajado pelo destino,
bati na porta.
A senhora que antes tinha aberto a porta para a
garota no terceiro dia (detalhista como sou não poderia perder a contagem dos
dias e dos detalhes, obviamente) a abriu também para mim no décimo-primeiro.
- Olá
- Olá, senhora. Vim saber como está a moça que
mora aqui, conversei com ela a um tempo mas ela sumiu... (Mentiras necessárias,
serei perdoado pelo divino, creio eu)
- Desculpe, senhor... Cecília faleceu à seis
dias atrás...
Dentre poucas vezes na vida me encontro sem chão
e nenhum sussurro de poesia passa por mim, nenhum pensamento. Meu rosto abatido
e perplexo dizem à senhora para explicar o acontecido sem necessitar de nenhuma
palavra.
- Ela sofria de esquizofrenia, depois de ir
comprar seu remédio ela me disse que todos os dias via um homem e que esse
homem a seguia e que ela sentia que as visões estavam voltando, ela ficou
nervosa. Caiu de madrugada em convulsão e não pude fazer nada além de tentar
socorrer seu corpo... Sou a tia dela, sua mãe morreu da mesma forma e seu pequeno
irmão junto com a mãe, em seu ventre.
Não tive como ter outra reação além de agradecer
à senhora, friamente, dar meia volta e ir para casa. Desde aquela manhã vou
todos os dias as 10 da manhã na rua 7 de setembro do lado direito. Vejo Cecília
passar, a vejo fitar as rachaduras da calçada, vejo Cecília acenar para mim e
aceno de volta. Cecília me visita todos os dias, é minha melhor amiga. Gosto
muito do seu cabelo, embora ainda acho que ela deveria mudar seu penteado,
todos os dias ela usa o mesmo rabo de cavalo."
- Gustavo Amancio de Souza
Gustavo Amancio de Souza
quarta-feira, 8 de outubro de 2014